Introdução à Diplomática

Génese do Acto Jurídico / Fases Textuais

Até ao século XVI, as instituições guardavam principalmente nos seus arquivos documentos probatórios da posse de propriedades e direitos. Esses documentos jurídicos eram elaborados por entidades legalmente capacitadas para lavrar documentos irrecusáveis como prova em juízo, caso se vissem obrigadas a apresentá-las em tribunal: os notários, as secretarias judiciais e as chancelarias – dos poderes soberanos, ou das instituições com poderes por estes delegados. O discurso historiográfico relativo a esse tempo histórico (séculos XIII-XVI, sobretudo) baseia-se maioritariamente nestes documentos jurídicos. Por essa razão, são úteis nos estudos em História algumas noções, ainda que elementares, sobre essas instituições e sobre a forma como delas “nascia” o documento jurídico (ou “acto jurídico”, na terminologia da Diplomática). Documento que espelhava a vontade das partes (o autor jurídico) cuja vontade originara a acção jurídica respectiva e que era elaborado pela entidade competente para lhe dar a forma documental requerida pelo Direito (o autor diplomático).

Por escassez de tempo curricular para abordar as fases textuais da escrituração documental em todas essas instituições, o tópico da Génese do Acto Jurídico centra-se nas sucessivas etapas percorridas na chancelaria régia, o exemplo escolhido, até se chegar ao documento final, perfeito e completo, por ela escriturado e validado: a carta régia. Seu autor jurídico: o Rei, em nome do qual o documento era emitido e a cuja decisão correspondia o documento lavrado, validado com o selo autêntico da sua chancelaria. Seu autor diplomático: a pessoa, singular ou colectiva (por exemplo, o Chanceler, ou o Vedor da Fazenda), a quem o rei, enquanto autor jurídico, ordenara a documentação relativa a essa decisão.

A primeira Fase, da Actio, ou acção jurídica, corresponde às etapas formativas da decisão do autor jurídico, terminando com a ordem dada pelo Rei para se elaborar o documento comprovativo dessa decisão. Entre outras etapas, falamos da petitio (o requerimento, súplica, ou petição, que inicia todo o processo nos actos jurídicos de mercê), da intercessio (a intercessão, facultativa, em que terceiros intervêm junto do autor jurídico para facilitar o despacho favorável do requerimento) e da interventio (a intervenção, obrigatória, de terceiros cujo parecer vinculativo era necessário ao despacho do requerimento). A Actio terminava com a ordem dada pelo autor jurídico ao autor diplomático para se documentar a decisão (iussio), demonstrativa do despacho favorável do requerimento.

A segunda, e última Fase, é a Conscriptio, ou documentação da acção jurídica – a mais importante para compreender o documento jurídico, mas não entendível sem a primeira. Na primeira etapa, a Grossa, vemos como o grossator/dictator redige a vontade expressa pelo autor jurídico, elaborando a Minuta. Depois vem o Mundum, em que o scriptor passa a limpo a minuta, acrescentando-lhe as fórmulas de publicação. Em seguida, a Recognitio, em que o redactor pode (ou não) assinar no final do mundum. Por fim, a Validatio, em que o Chanceler apõe o selo régio, por si detido, à carta régia, tornando-a completa.

O tópico da “Génese do Acto Jurídico”, tema por excelência da Diplomática, introduz e aprofunda a compreensão do documento sob o ponto de vista formal, muito importante na formação do futuro historiador.

  • BERNARDO DE SÁ-NOGUEIRA

    Professor Auxiliar

  • CURSO:

    Licenciatura (1.º ciclo)

  • ÁREA

    História

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